sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Nils Christie

Frases


“El guerrero lleva armadura, el amante flores. Están equipados de acuerdo con las expectativas de lo que va a pasar, y sus equipos aumentan las posibilidades de realización de esas expectativas. Lo mismo sucede con el derecho penal”.


"Após a morte, a prisão é o exercício mais severo do poder que o Estado tem disponível. Todos nós temos liberdade limitada de alguma forma, forçados a trabalhar para sobreviver, forçados a ser subordinados a nossos superiores, presos em classes ou salas de aula, os prisioneiros da família ... Mas, exceto para a pena de morte e torturas físicas, nada é tão extremo quanto à restrições,  degradação e desenvolvimento do poder como a prisão."

Foucault

Frases


"Prisão, essa pequena invenção desacreditada desde o seu nascimento."


"Há um século e meio que a prisão vem sendo dada como seu próprio remédio."


a delinquência de cima, exemplo escandaloso, fonte de miséria e princípio de revolta para os pobres."


Alessandro Baratta

Frases

"Se o processo de criminalização é o mais poderoso mecanismo de reprodução das relações de desigualdade do capitalismo, a luta por uma sociedade democrática e igualitária seria inseparável da luta pela superação do sistema penal."

"Se a criminalidade do marginalizado constitui resposta individual, e por isso não política, às condições sociais impostas pelo capitalismo, então a verdadeira reeducação do condenado é a que transforma reações individuais egoístas em consciência e ação política coletiva: o desenvolvimento da consciência da própria situação de classe e das condições da sociedade por parte do condenado é a alternativa posta à concepção ético-religiosa da culpa, com sua exigência de punição e arrependimento."

"A aplicação seletiva das sanções penais estigmatizantes, e especialmente o cárcere, é um momento superestrutural essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade, agindo de modo a impedir a ascensão social dos indivíduos dos estratos mais baixos."

"A verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo assim, a raiz do mecanismo de exclusão."

"Em suma é impossível enfrentar o problema da marginalidade criminal sem incidir na estrutura da sociedade capitalista, que tem necessidade, por motivos ideológicos e econômicos, de uma marginalização criminal."

"A derrubada dos muros do cárcere tem para a nova criminologia o mesmo significado programático que a derrubada dos muros do manicômio para a nova psiquiatria."



Loïc Wacquant

Frases


"A urgência no Brasil, como na maioria dos países do planeta, é lutar em todas as direções não contra os criminosos, mas contra a pobreza e a desigualdade."


"Assim como o trabalho assalariado precário, a inflação carcerária não é uma fatalidade natural: ela é resultado de preferências culturais e de decisões políticas."


"Ou lutamos pela igualdade, ou viveremos em um arquipélago de ilhotas de opulência e de privilégios perdidos no seio de um oceano frio de miséria, medo e desprezo pelo outro."


"Não é a multiplicação de 'incivilizados' que faz um bairro se tornar violento, mas é a decadência econômica e a segregação que, ao minar as possibilidades de vida, alimentam os 'distúrbios'. "



quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"O perigo da história única"

Muitas pessoas nos questionam sobre as formas de construir uma sociedade sem prisões aqui e agora, considerando esta ideia uma utopia, uma vez que não temos o poder de derrubar os muros das prisões da noite para o dia.
Foi pensando nisto que decidimos compartilhar este vídeo. Nele, a romancista nigeriana Chimamanda Adichie, através de uma conferência concedida ao TED, conta como descobriu sua voz cultural. Ao fazer isto, ela fala de forma extremamente bela e instigante a respeito de uma das formas mais desumanizantes de aprisionamento que pessoas ou coletividades podem ser submetidas: o aprisionamento em um estereótipo, em um estigma.
É o que ocorre com as pessoas que cometem atos qualificados como criminosos em nossa sociedade: são reduzidas ao crime que lhes foi atribuído e todos os outros aspectos de sua vida são ignorados. Tal ato se transforma na única história desses sujeitos.

Nas palavras de Chimamanda:

"A história única impossibilita nossa identificação como humanos iguais.
(...)
É assim que se cria uma história única: mostra um povo como uma coisa, como uma única coisa, vezes sem conta, e é isso que eles se tornam. 
(...)
Todas as histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir apenas nestas histórias negativas é planar minha experiência e esquecer tantas outras histórias que me formaram. 
(...)
A história única cria estereótipos. E o problema com os estereótipos não é eles serem mentira, mas eles serem incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história. 
(...)
A conseqüência da história única é isto: rouba da pessoas sua dignidade. Torna o reconhecimento da nossa humanidade partilhada difícil. Enfatiza o quanto somos diferentes em vez do quanto somos semelhantes."

Julgando estes sujeitos como menos humanos, todos os tipos de punições cruéis e degradantes se tornam aceitáveis. Assim, desconstruir o estigma de criminoso é uma das formas possíveis de produzir liberdades no momento presente.

Nossa página Talentos nas Prisões busca desconstruir um pouco a história única das pessoas encarceradas, trazendo histórias que geralmente não são contadas pelos meios de comunicação de massa e pela mídia sensacionalista que, ao contrário, teimam em demonizá-los. São histórias de pessoas que, mesmo com todas as condições objetivas e materiais fazendo pressão contra, desenvolveram talentos e não deixaram de sonhar com a construção de novos caminhos possíveis.

PARTE 1


PARTE 2



Abolicionismo Penal, por Edson Passeti

“O abolicionismo penal é uma anti-doutrina. Nós, procedentes de práticas políticas diversas, pretendemos abolir a moral do castigo e da recompensa, que começa em nós e acaba nas prisões, nas internações, no controle fechado ou a céu aberto. Lidamos com situações-problemas e não com crimes, com pessoas e não procedimentos, com acasos, tragédias e desassossegos em busca de uma solução anti-autoritária, anti-penalizadora.

O abolicionismo penal libertário, vem do século XIX com as reflexões de Max Stirner expostas com clareza e precisão em seu livro, O único e a sua propriedade, e de um outro precioso estudo sobre os efeitos da punição no final do século XVIII, elaborado por William Godwin, chamado Da justiça política. Como você pode notar, o abolicionismo penal é simultâneo ao discurso punitivo da penalização moderna; não é seu outro lado nem deve ficar reduzido a uma consoladora utopia, mas é um fluxo incessante que problematiza a moral do castigo e propicia liberações. Tomou grande impulso depois de 68, obviamente, e aí entra a marcante contribuição de Louk Hulsman.

Vivemos um presente no qual proliferam os conservadores, independente de sua procedência social; que acreditam na restauração da família monogâmica, na pletora de direitos de minorias confinando os indivíduos em grupos, na caridade e na filantropia, hoje em dia ongueira, no indivíduo como capital humano, na democracia representativa e participativa como realidade e utopia, na verdade das mídias e, principalmente, na punição. Vivemos uma era habitada pelo conservadorismo moderado que combina encarceramentos com controle a céu aberto por meio de práticas e leis que punem mais e com flexibilidades.

Ora, se a prisão é um fracasso, acabem com ela! Mas esses senhores e suas senhoras querem somente reformas e reformas para deixar o sistema inalterado.

Uma análise sobre as prisões na atualidade, numa perspectiva abolicionista, acaba constatando que as prisões se tornaram empresas-estado, cessando o que elas expressavam de vida, as rebeliões e as insurgências. Os prisioneiros e seus familiares e a burocracia e não sei quantos mais estão enredados nesta nova institucionalidade carcerária. Do lado de fora, cresce a crença nos BOPEs e em seus derivados; por dentro aumenta a lucratividade, a repressão, o assujeitamento. Uma sociedade punitiva e capitalista precisa de lucro, corpos disponíveis, gente recrutada nas próprias classes suspeitas para policiar e matar. Há no Brasil hoje em dia o desejo fascista de matar atravessando todos, eu disse todos, segmentos sociais. Mas até quando ela precisará de prisões? Será que essa moralidade que sustenta, ao mesmo tempo, a prisão e o tráfico não está na hora de ser arruinada?

O abolicionismo penal é o isso e aquilo de todos nós que apreciamos a liberdade e o fim das desigualdades sócio-econômicas. Não sou utópico, sou heterotópico. Nós do Nu-Sol queremos acabar com a internação já!” 1

“O abolicionista penal é aquele que começa abolindo o castigo dentro de si. Inventa uma linguagem, um estilo de vida, em que, mesmo não se apartando das utopias, atua no presente de maneira heterotópica. Não deixa para o futuro o que é preciso fazer agora.” 2


1.Trechos extraídos e adaptados de entrevista publicada em: http://www.nu-sol.org
2. Trecho extraído da apresentação do Curso Livre de Abolicionismo Penal.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Abolicionismo Penal, por Maria Lúcia Karam


"Uma agenda política voltada para o aprofundamento da democracia, para a construção de um mundo melhor, para a construção de sociedades mais iguais, mais justas, mais livres, mais solidárias, onde os direitos fundamentais de todos os indivíduos sejam efetivamente respeitados, há de ter o fim do poder punitivo e a conseqüente abolição do sistema penal como um de seus principais itens.

A luta pela abolição do sistema penal é uma luta pela liberdade; uma luta contra um sistema que estigmatiza, discrimina, produz violência e causa dores; uma luta para pôr fim a desigualdades; uma luta para reafirmar a dignidade inerente a cada um dos seres humanos, assim devendo ser parte inseparável da busca de uma reorganização das sociedades que, superando a violência, as opressões, explorações, desigualdades e misérias provocadas quer pelo capitalismo, quer pelo que se convencionou chamar de socialismo real, possa lançar as bases de um novo patamar de convivência entre as pessoas.

A força ideológica da enganosa publicidade do sistema penal cria a falsa crença que faz com que o controle social, fundado na intervenção do sistema penal, apareça como a única forma de enfrentamento de situações negativas ou condutas conflituosas. Na realidade, porém, as leis penais não protegem nada nem ninguém; não evitam a realização das condutas que por elas criminalizadas são etiquetadas como crimes. Servem apenas para assegurar a atuação do enganoso, violento, danoso e doloroso poder punitivo.

A intervenção do sistema penal, além de provocar danos e dores, é sempre inútil, é sempre tardia, chegando sempre somente depois que o evento indesejável já ocorreu. Essa inútil, tardia, violenta, danosa e dolorosa intervenção do sistema penal deve ser substituída por mecanismos formais e informais de controle (exercido por organismos como a família, a escola, as igrejas, os clubes, as associações, sistemas de saúde e assistência social, leis e aparatos judiciários civis e administrativos) que possam efetivamente regular a vida em comum e evitar ao máximo a produção de situações negativas ou condutas conflituosas no convívio entre as pessoas.

Naturalmente, um convívio mais saudável e menos produtor de conflitos passa pela garantia de respeito e bem-estar para todos os indivíduos. Energias e investimentos desperdiçados com a ilusória e nefasta segurança máxima de prisões devem ser substituídos por energias e investimentos voltados para garantir alimentação saudável, habitação confortável, escolas de boa qualidade, trabalho satisfatoriamente remunerado, lazer, cultura, enfim, dignidade para todas as pessoas.

Os danos e as dores produzidos pelo sistema penal revelam a total falta de racionalidade da idéia de punição. Qual a racionalidade de se retribuir um sofrimento causado pela conduta criminalizada com outro sofrimento provocado pela pena? Se se pretende evitar ou, ao menos reduzir, as condutas negativas, os acontecimentos desagradáveis e causadores de sofrimentos, por que insistir na produção de mais sofrimento com a imposição da pena? O sistema penal não alivia as dores de quem sofre perdas causadas por condutas danosas e violentas, ou mesmo cruéis, praticadas por indivíduos que eventualmente desrespeitam e agridem seus semelhantes. Ao contrário. O sistema penal manipula essas dores para viabilizar e buscar a legitimação do exercício do ainda mais violento, danoso e doloroso poder punitivo. Manipulando o sofrimento de indivíduos atingidos por seus semelhantes, incentiva o sentimento de vingança. Desejos de vingança não trazem paz de espírito. Desejos de vingança acabam sendo autodestrutivos. O sistema penal manipula sofrimentos para perpetuá-los e para criar novos sofrimentos.

O destrutivo sentimento de vingança, manipulado pelo sistema penal, deve ser trocado pelo perdão, pela compaixão, pela compreensão, abrindo espaço, nos conflitos interindividuais, para estilos compensatórios, assistenciais, conciliadores. Os bens e as riquezas produzidos nas sociedades, certamente, devem ser compartilhados. Mas, é preciso também aprender a conviver com os desconfortos nelas gerados e buscar o entendimento, a proximidade com o conflito, as soluções formadas a partir da consideração de todas as nuances do caso concreto e do respeito à dignidade de todos os envolvidos."


Trecho extraído de entrevista concedida ao DAR - Coletivo Desentorpecendo a Razão.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Uma carta, um livro, muitos sonhos


Sejam bem-vindos ao nosso blog!

Nada melhor do que iniciarmos nossas postagens com a principal razão da nossa luta: o desejo de transformação das vidas e histórias que estão sendo destruídas pelo cárcere. Escolhemos uma carta que recebemos do Daniel, que está preso há 12 anos em regime fechado, para compartilhar com vocês, pois o conteúdo dela tem muito a ver com nossas aspirações: ele, como nós, afirma ser um sonhador e, mais do que isso, acredita na realização de seus sonhos.




"19/01/2011
P/ Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
Laboratório de Estudos, Pesquisa e Extensão em Psicologia do Trabalho
“Fafich”

"Professora "Vanessa Andrade Barros", Eu: “Daniel Tiago da S.V. recuperando da “P. Jason S. Albergaria” participei da pesquisa realizada no dia 06/10/2010 com “detentos” que trabalham e que procuram uma ressocialização dentro das unidades prisionais. Na ocasião fui entrevistado pela pesquisadora “A.P.”. Espero que essa pesquisa que foi realizada sirva para o meio acadêmico ver que é possível investir na recuperação de seres humanos, que tiveram de certa forma uma dificuldade de ter tido uma família que passasse princípios e bons exemplos. Claro que isso jamais pode servir de subterfúgios para cometer "crimes", mas não deixa de ser um fator contribuinte.
Eu fui além, estudei, encontrei amparo na fé cristã, tenho o “ensino médio” e pretendo quando quitar meu débito com a justiça, prestar vestibular para “letras”, pois pretenciono ser um “escritor”.
Já bati em várias portas na sociedade para a publicação dos livros que escrevi ao longo de “12 anos” recluso. Escrevi “romances” e tenho até uma “complexa teoria” de como “erradicar” toda a “desigualdade social” e todo “preconceito” que existe por parte do “poder público” ao ex-presidiário.
Gostaria muito de interagir com os estudantes e professores desta “Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas”. Foi enviado para esse endereço um “Xerox” de um livro meu, feito do próprio punho, de forma arcaica mas legível e bem pontuado. Esse material foi enviado via “sedex” pela “vice-diretora” desta unidade, digo vice-diretora da escola de ensino fundamental “Srª T.M.” e por ser também bibliotecária, ao ler minhas “obras” se propôs a divulgá-las na tentativa de que portas se abram para meu regresso a sociedade. Creio que dá tempo e descarto a hipótese de que tudo o que tenho lutado para conquistar seja uma “utopia”.
Aqui pra mim não é muito fácil pois estou sem visitas desde que meus pais faleceram. Tenho 31 anos e desde os 18 anos estou no sistema prisional. Sou filho de ex-presidiário e logo após terminar o ensino médio aos “17 anos” sem jamais ter tido sequer uma repetência...
Gostaria de receber o respaldo da “professora” no sentido de ler meu “Romance” e enviar uma crítica, uma avaliação, pois tem todos os ingredientes para ser um “sucesso” pois contém crítica social, ironia e lições de cidadania. As pessoas que leram se surpreenderam pois não encontraram respostas, como um ser-humano como Eu que não tenho nenhum ente, que vive em um deserto afetivo há anos, teve capacidade de escrever um romance, simples, mas de uma riqueza de detalhes literários sem precedentes diante de total desinformação com o mundo exterior.
Contudo, que o “Deus” que mudou meu caráter e minha índole possa fazer de você Professora “Vanessa de Andrade Barros” um  instrumento de minha reintegração à sociedade. Obrigado.


Para o momento, também gostaríamos de compartilhar a mensagem de Eduardo Galeano sobre o "Direito de sonhar":





Forma de contribuição:


Estamos arrecadando doações para publicar o primeiro de três livros escritos por Daniel, que ainda se encontra privado de liberdade.


Sinopse: O livro "Paradoxo de Vidas" conta a história da amizade entre David, filho de uma família rica moradora da Savassi, um dos bairros mais nobres de Belo Horizonte, e Saul, um jovem negro morador da favela da Serra. Os dois terão seus destinos cruzados e suas vidas transformadas a partir deste encontro.


Se quiserem contribuir entrem em contato conosco para mais detalhes através de nosso email: sociedadesemprisoes@gmail.com ou em nossa página do Facebook.