quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Proudhon

“Ser governado significa ser vigiado, inspecionado, espiado, dirigido, valorado, pesado, censurado, por pessoas que não têm o título, nem a ciência, nem virtude. Ser governado significa, por cada operação, cada movimento, cada transação, ser anotado, registrado, listado, tarifado, carimbado, apontado, coisificado, patenteado, licenciado, autorizado, apostrofado, castigado, impedido, reformado, alinhado, corrigido. Significaa, sob o pretexto da autoridade pública, e sob o pretexto do interesse geral, ser amestrado, esquadrinhado, explorado, mistificado, roubado. Ao menor sinal d resistência, ou à primeira palavra de protesto, ser preso, multado, mutilado, vilipendiado, humilhado, golpeado, reduzido ao mínimo sopro de vida, desarmado, encarcerado, fuzilado, metralhado, condenado, deportado, vendido, traído e como se isso não fosse suficiente, desarmado, ridicularizado, ultrajado, burlado. Isto é governo, está é sua justiça, está é a sua moral.”

Leite e Ferro (Trailler)



"O Documentário “Leite e Ferro”, primeiro longa da diretora Cláudia Priscila, estreia em todo o país no dia 25 de novembro de 2011. 
Confira a programação aqui: http://leiteeferro.wordpress.com/programacao/

Premiado como melhor documentário e melhor direção de documentário, em 2010, no Festival de Paulínia, o filme registra com delicadeza a maternidade na prisão e tem como cenário o Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP).
“Leite e Ferro” retrata o cotidiano do CAHMP, uma instituição em São Paulo que abrigava mulheres em fase de aleitamento após darem a luz. Mães e bebês ficam juntos atrás das grades, mesmo que por pouco tempo. Já que depois de quatro meses, a criança vai para outra pessoa da família, a uma instituição ou é adotada, às vezes até de maneira ilegal."

Fonte: http://www.leiteeferro.com/#_

domingo, 27 de novembro de 2011

Somos um inimigo em potencial só por termos nascido negros: Dexter, rapper brasileiro



“É o que eu falo pra vocês: o rap salva”. (Dexter). De fato, o rap é fundamental nos 37 anos de vida de Marcos, cerca de um terço deles vividos atrás das grades.

Atrás de dinheiro para uma gravação, Dexter buscou “meios não convencionais” e acabou preso. Já havia cumprido o período de pena que lhe permitiria progredir para outro regime que não o fechado mas, sem saber desse direito, aproveitou a primeira oportunidade que teve para fugir. Voltou condenado a 38 anos de cadeia. Primeiro no grupo 509-E (número da cela que ocupava com o cantor Afro-X no Carandiru) depois em carreira solo, seguiu compondo e gravando, se tornando um dos principais nomes do rap nacional. 

Atualmente em liberdade condicional, Dexter voltou a fazer shows e palestras, além de coordenar o projeto Como vai seu mundo em prisões de SP.

"Nasci no dia 17 de agosto de 1973, em São Paulo e fui criado nas ruas do Jardim Calux, em São Bernardo do Campo. Minha mãe biológica não teve condições de me criar e aos 13 dias de vida me entregou para uma mulher, Dona Marina Maria de Omena, minha mãe de fato, porque mãe é aquela que cria, não aquela que põe no mundo. Vivia nas ruas de terra, nos campinhos do Jardim Calux, um morro que desde aquela época era bastante respeitado. Minha mãe já tinha duas filhas e era viúva quando me pegou pra criar. Ela dava uma segurada em mim, na época tinha uns bailes muito da hora, baile de preto, da função. Ela tinha medo, por conta da malandragem. Ela queria que eu vivesse uma vida padronizada. Acho que é o sonho de toda mãe da periferia, que o filho simplesmente estude, vire um operário padrão, não vire ladrão. Quando o 509-E estourou eu consegui ganhar um dinheiro e a gente fez uma casinha melhor, um sobrado para minha mãe morar.
No Calux, vi muitos amigos partirem pro crime e não voltarem mais. Vi muitos amigos infelizmente morrerem com essa política retardada que existe dentro da periferia. Essa coisa enraizada da droga, do álcool, e de você querer ser alguém dentro da quebrada. Querer ter um carro, uma mina da hora. Isso muitas vezes o sistema não te oferece, o salário que a gente ganha não permite. Muitos caras não suportam não conseguir esses sonhos de consumo, e vão buscar por outros caminhos, se revoltam. Há muito tempo percebi que a televisão é a pior doutrinadora que nós temos. E a Igreja Católica também, claro. Mas cada um de nós tem uma TV dentro de casa, não um padre. Nunca vi ninguém falar que foi roubar pra comprar os livros, que são caros também, entendeu?
São vários os problemas de um cara que mora dentro da favela. Se ele não joga bola, se ele não faz um samba, quem é esse cara? O estudo é precário. Aí o pretinho vai na escola e ouve que o Zumbi [líder negro que fundou o quilombo Palmares, um dos maiores focos de resistência negra da época da escravidão no Brasil] foi assassinado por Domingos Jorge Velho e ponto. O branquinho aprende que na história existiram heróis e sente orgulho de ser branco, mas não sente orgulho de ser pobre. Então é uma confusão de sentimentos. Eu também era um cara revoltado, às vezes é até inconsciente. Já peguei numa arma e fui assaltar os playboy. Mas eu não fui porque eu tinha consciência da minha revolta. Só tempos depois eu entendi o que gera isso. O fato de você ser pobre e ele ter uma condição melhor. Se a gente for puxar o fio da meada a gente vai chegar até a escravidão. O que meu povo herdou? Os pretos e descendentes dos mesmos? Eu consegui entender essas coisas e sair disso através do rap, que é a música do povo, através de outros jovens que entenderam mais cedo que eu, passaram pra mim e eu abracei, falei: “tá aqui minha válvula de escape”.
Enquanto você é jovem você sabe que aquilo é uma rotina massacrante, mas não entende porque aquilo acontece, essa política de que a polícia entra na favela pra matar mesmo, que são pagos pra isso, autorizados. Eles têm que mostrar serviço pra sociedade. A gente é um inimigo em potencial, só pelo fato de ter nascido preto, de andar gingando na rua. Tô trabalhando dois paralelos, o social e o racial, que não estão separados. Vamos chegar no shopping aí nós dois, eu com dinheiro e você sem. Você acha que o segurança vai ficar de olho em quem? Em você? Vai ficar em mim. O preto no Brasil é sinônimo de malandragem, de crime, de assalto.
Essas coisas a gente nem sabe antes de ler, se informar, estudar, andar com uma rapaziada com uma mentalidade da hora. Eu sinto muito orgulho de cantar rap, o rap é o melhor amigo que eu tenho, já salvou muitas vidas, já ajudou muita gente a entender as coisas, a ter auto-estima, a discutir de igual pra igual. Hoje você vê meu povo fazendo palestra em faculdade, discutindo com os boy de igual pra igual e até mais, ensinando pros caras como é que as coisas funcionam. Isso é lindo.
Hoje eu vejo uns caras fazendo rap de qualquer jeito, eu acho um puta dum desrespeito. Falando de ouro, de carro, de tênis, de mulher. Não dá. As pessoas que se mantém hoje no rap, como linha de frente, a maioria é da minha época, aprenderam a fazer rap dessa forma: tiveram que ler, estudar, buscar o autoconhecimento. Tempos depois que eu comecei a fazer rap, eu ouvi os Racionais cantando “Precisamos de um líder com crédito popular, como Malcolm X em outros tempos foi na América, que seja negro até os ossos, um dos nossos”. Mas espera aí, quem é Malcolm X? Aí fui atrás. Quando eu li Malcolm X, meu Deus, me senti útil, me senti muito bem. Veio o filme “Malcolm X”, fui lá assistir, o cinema lotado: os caras do movimento negro, os caras do rap, todo mundo junto, fiquei feliz, pensei “tamo junto, tamo nos organizando”. Nem o movimento negro conseguiu isso, o rap é foda. Acho que o movimento negro conseguiu reuniões, mas o rap transcendeu, conseguiu trazer quem precisava vir: a juventude. Quando a juventude tá junto ninguém segura. A música tem esse poder, o poder da transformação.
Nem a política da escola alcançou o que o rap deu pra gente. Vem um intelectual pra mim e fala “Dexter, você tem que ler Malcolm X”. Mas aí, o intelectual vai falar o que é que eu tenho que ler? Aí chega um parceiro e fala: “Negão, eu li lá e foi foda, você tem que ler”, imediatamente passo a me interessar. Percebe a diferença? É a identificação. Foi isso que aconteceu com o rap. O rap é pra mim um grande professor.
Logo quando eu li a autobiografia do Martin Luther King eu descobri que um dos filhos dele chama-se Dexter. Fui ao dicionário e vi que Dexter significa destro, de direito, correto, passa pelo esperto, sagaz. E me identifiquei com o nome porque pra sobreviver na periferia você tem que ser isso mesmo, senão você vai ser cobrado depois. Você tem que ser um cara ligeiro, porque a polícia está lá pra te exterminar. Aí quando eu li e assisti Malcolm X descobri que o X representa o desconhecido, e os caras do islã usam o X pra representar um sobrenome africano que eles não conhecem. Aí o X do Dexter também ganhou mais força. Com o passar do tempo ninguém mais me chamava de Marquinhos ou de Marcos.
Mas também o crime não é um caminho que você necessariamente condene, certo? Porque na música "Como vai seu mundo" quando você fala do crime, dá o conselho: “se tiver como, desista”… Por que que eu falo “se tiver como”? Tem o cara que não quer estudar, não canta rap, não joga bola, não lê, não escreve, o que sobra prum cara desse? É pra ele que eu falo: “se tiver como”. Tem cara que não tem, eu tenho vários parceiros lá dentro que me falam: “Dexter, queria eu ter a oportunidade que você teve, irmão, que eu também abandonaria o crime. Mas infelizmente eu tô nele, não sei fazer outra coisa”. Ou seja, é um cara que tá condenado a morrer no crime. O rap não vai ter como mudar a vida de todo mundo.
A liberdade física dentro de uma prisão é 100% presente. Passado um tempo eu comecei a me intitular exilado e não preso. Passei a me identificar como um cara que foi afastado da família e dos amigos por um determinado tempo, mas que um dia vai voltar. E na prisão a recuperação por parte do sistema não existe, política de ressocialização não tem, tudo tem que ser iniciativa própria. Pouco se estuda, pouco se trabalha dentro de uma prisão, seres humanos são jogados dentro de um quadrado dois por dois e já era, se virem. Em algumas cadeias você convive com ratos, baratas, percevejos. Pra resumir: a cadeia não recupera ninguém, ela traz mais revolta, mais mágoa, mais tristeza.
Tive essa sorte, de poder mostrar do que eu era capaz, e me foi dada essa oportunidade, até mesmo pelo histórico da Casa de Detenção. Porque quando o 509-E explodiu já tinha um trabalho sendo desenvolvido ali dentro, “Talentos aprisionados”, por uma pessoa que trabalhava na época com teatro. No meio desse trabalho foi descoberto o 509-E, a gente teve uma abertura muito grande, foram 7 meses de saídas: shows, palestras em escolas e faculdades, trocando ideia com a molecada.
Muita coisa mudou pra melhor, antigamente morria-se muito dentro da prisão, hoje não mais. Foi política implantada: “não morre mais ninguém”. Porque eu acho que os linhas de frente dessa disciplina acreditam que se somos seres humanos somos capazes de conversar pra resolver, de dialogar sem que alguém tenha que morrer e alguém tenha que matar. Acho válido, a vida é muito preciosa. Obviamente existem outras coisas a se considerar dentro da hierarquia do crime e tal. Às vezes sou tachado pela mídia como PCC, porque estou preso e fazendo rap. E eu não sou PCC, eu sou rapper.
A minha esposa foi imprescindível pra minha retomada, até mesmo no rap. Família é imprescindível pro presidiário, se você é abandonado as perspectivas de coisas boas se tornam remotas.

Trechos selecionados de entrevista publicada no Brasil de Fato no dia 23/11/2011.
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Se você tiver interesse em colaborar para que outras pessoas que foram privadas de sua liberdade realizem seus sonhos, visite nossa seção "Talentos nas prisões" para conhecer os projetos que estão esperando para serem viabilizados.









sábado, 19 de novembro de 2011

Punição e estrutura social


"As relações entre crime e meio social, métodos de punição e práticas penais são temas abordados no livro. O objeto da investigação é a pena em suas manifestações específicas que variam de acordo com o modo de produção vigente. O elemento-chave do livro é o nascimento das prisões, forma especificamente burguesa de punição, na passagem ao capitalismo. Rusche e Kirchheimer baseiam suas análises no princípio de que as condições de vida no cárcere devem ser inferiores às das categorias mais baixas dos trabalhadores livres, de modo a constranger ao trabalho e salvaguardar os efeitos dissuasivos da pena, relacionado ao mercado de trabalho."

domingo, 6 de novembro de 2011

Antonio Sanchez Galindo

"Tratemos bem o delinquente porque é um irmão em desgraça: de uma forma ou de outra, nós os engerdramos ou produzimos, por nossa má planificação social, por nossas insuficientes medidas de prevenção, por nossas precárias tabelas de prediação. Cada ser humano que se envia à prisão constitui um monumento de nosso fracasso, da mesma maneira que cada golpe que aplicamos a nossos filhos revela a impotência de nosso raciocínio e a ineficácia de nosso sistema educativo."