segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Pena Capital, por Eduardo Facção Central


obsceno e uma covardia sem tamanho jogar nos ombros de crianças desassistidas o ônus do fracasso dos gestores do país. Os inimigos do Brasil não estão nas contenções das madrugadas frias segurando sacolas de supermercados repletas de eppendorfs.  Não somos a vergonha e a latrina da América Latina porque crianças sem infância, que na maioria das vezes tiveram os pais mortos ou presos, passaram a vender as substâncias entorpecentes que os boyzinhos gostam de consumir nos banheiros das universidades ou em suas baladas marítimas. 

Esses meninos e meninas, os quais receberam do descaso da sociedade e do poder público uma AK 47 não desfalcam os cofres da União; não aprovam obras faraônicas sem licitações com o propósito de reembolsar financiadores de campanhas eleitorais fraudulentas; não desviam as verbas que deveriam ser destinadas à construção e o melhoramento de hospitais, creches, escolas, bibliotecas, frentes de trabalho; não aceitam sediar grandes eventos esportivos para usá-los como balcões de negócios de grupos dominantes; não injetam os recursos obtidos com a cobrança abusiva de impostos em obras particulares de clubes de futebol, muito menos legislam as leis que favorecem os monstros que enriquecem enquanto as pessoas sem expressividade e importância política definham nas pocilgas dos SUS, em filas de espera por aposentadorias, em empregos informais, em depósitos prisionais de seres humanos, nos colchões fétidos de albergues ou no relento patrocinado pelo déficit de moradias... Em síntese, não são os que gritam: vai do preto ou do branco, com o intuito de comprarem um X salada na lanchonete, um cd de RAP ou no máximo uma Honda Biz que geram a concentração de renda, terras e oportunidades, que configura como a pedra fundamental da ruína brasileira. 

Os que descarregam armas de uso restrito do exército, vendidas pelos cidadãos acima de qualquer suspeita, não tem nenhuma responsabilidade sobre a Guerra Não Declarada nacional. Sem sombra de dúvidas, os objetos do empenho assassino dos barões da política, das forças armadas, da polícia, dos órgãos de comunicação, dos abastados racistas e preconceituosos e dos emburrecidos pela onda contagiante de asneiras, são as vítimas do sistema. Os que aparecem nos telejornais sensacionalistas sendo forçados a olharem para as câmeras das emissoras de televisão não seriam capazes de assinar autorizações para a eliminação sistemática das famílias empurradas para os pontos geográficos desvalorizados. Os prisioneiros que são colocados em frente aos holofotes não dispõe se quer de condições estruturais para obterem somas vultuosas com a desordem, o desregramento e as carnificinas diárias. Vivo no submundo desde o dia em que eu nasci e nunca conheci alguém que se tornou milionário fazendo uso de fuzis. Já vi um ou outro que deu um estouro mediano, suficiente para comprar uma casa ou um carro e gastou tudo com advogados ou com o seu próprio funeral. 

Igualmente ao playboy também sou taxativo: se alguém deve morrer, para que a criminalidade diminua e a discrepância abismal entre ricos e pobres seja atenuada, esse alguém não mora nas ruas de terra dos bairros esquecidos. Se matar culpados é a saída para a reversão do repugnante quadro social brasileiro, os que deveriam lotar as gavetas frigoríficas dos necrotérios são os que habitam o topo da pirâmide. Eles são o grande mal! Eles são os verdadeiros inimigos do país. 

A condição inaceitável de terceiro mundo para uma das maiores economias do planeta é obra exclusiva dos opressores genocidas. É duro ver as crianças que, para exercerem o direito ao lazer, brincam nas margens de córregos com água contaminada ou invadem playgrounds de escolas públicas, cumprindo sentenças condenatórias irrecorríveis no lugar dos bandidos autênticos. Esse é um outro ponto que merece destaque: até mesmo nas culturas mais primitivas, normalmente, os condenados mandados para as forcas eram culpados legítimos. 

Os hipócritas, ao reivindicarem a pena de morte oficial como antídoto para a redução das taxas de violência, bem mais do que dar vasão aos seus instintos psicóticos, procuram isentar a sua extirpe com a venda da inversão de valores. Durante o tempo em que o coletivo popular acreditar que o cancro da terra da alegria é a favela e não a ação do burguês favelizador, as empresas dos neo-escravocratas operarão no azul."
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“Neste capítulo expressei a minha opinião sobre o quão ridículo é se discutir a pena de morte em um país que extermina sistematicamente criminosos, suspeitos e inocentes. É um absurdo, não só pelo fracasso reconhecido desse dispositivo em todas as nações que o adotaram ou pela letalidade estatal já expressiva, mas também, porque as taxas de crimes hediondos são produzidas pelo próprio Estado. Que moral a burguesia brasileira tem para levar um homem à cadeira elétrica ou à injeção letal quando a mesma é responsável exclusiva por sua delinqüência? Nenhuma. Só morrem 50 mil pessoas por ano no Brasil porque o Estado colabora sensivelmente para o derramamento desse sangue. Qualquer diligência no morro, daquelas que até bebê de colo morto ganha a classificação de chefe do tráfico na imprensa, produz mais finados do que a aplicação da pena de morte nos Estados Unidos durante uma década. Está escrito no capítulo e volto a frisar: matar não é a saída para a diminuição dos índices de violência, e sim, justiça social e educação transformadora. Porém, se a morte de algumas pessoas for a solução para a pacificação, quem deve morrer são os capitalistas parasitas e não os moleques de bermudas e chinelos coagidos pela precariedade de suas existências a manusearem fuzis AR-15.”

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Trechos extraídos do capítulo: Pena Capital do livro a ser lançado por Eduardo, vocalista e compositor do grupo de RAP Facção Central de São Paulo, com previsão para 2012"

Fonte: Eduardo: um líder da periferia. (Entrevista). Revista Rap Nacional, nº1, Out/2011. p. 28-41. Distribuição: Portal Rap Nacional