Pepe Mujica, presidente do Uruguai, tem chamado a atenção com sua forma irreverente de administrar o Estado. Entre as notícias mais populares sobre ele, estão aquelas que falam sobre a doação que ele faz de 90% do seu salário para programas de habitação; sobre ele ser o presidente mais pobre do mundo, levando uma vida simples em uma chácara com o salário de U$1250 por mês e um Fusca 1987; sobre o fato de ter cedido o palácio do governo para servir de abrigo para sem teto durante o inverno caso faltem vagas; além de sua história como militante tupamaro, que lhe rendeu 14 anos de prisão durante a ditadura militar em seu país.
Abaixo a tradução de sua preciosa intervenção
durante a Rio +20:
"Vimos expressar nossa vontade mais íntima
como governantes e acompanhar todos os acordos que nossa pobre humanidade
poderá se inscrever. Não obstante, nos permita fazer algumas perguntas em voz
alta. Durante toda a tarde estávamos falando sobre desenvolvimento sustentável.
Sobre o resgate das imensas massas da pobreza. O que é isso que vibra em nossas
mentes? O modelo de desenvolvimento e consumo reinante nas sociedades ricas? Me
faço a pergunta: o que aconteceria com este planeta se o povo da Índia tiver o
mesmo número de carros por família que os alemães tem? Quanto de oxigênio nos
sobraria para poder respirar? Mais claramente: o mundo hoje tem os elementos
materiais para permitir que sete, oito bilhões de pessoas possam ter o mesmo
nível de consumo e esbanjamento que tem as sociedades mais opulentas do
ocidente? Será possível? Ou teremos que começar outro tipo de discussão? Porque
nós criamos uma civilização que é filha do mercado e filha da competição, que
tem gerado um progresso material prodigioso e explosivo. A economia de
mercado criou uma sociedade de mercado e nos deu essa globalização, que
significa olhar para todo o planeta. Estamos governando a globalização ou a
globalização nos governa? É possível falar de solidariedade e que estamos todos
juntos em uma economia baseada na competição impiedosa? Até onde chega nossa
fraternidade? Eu não digo isso para negar a importância desse evento. Pelo
contrário, o desafio à frente de todos nós é de uma magnitude de caráter
colossal e a grande crise não é ecológica, é política. Os homens não governam
hoje as forças que ele desencadeou, mas sim essas forças que governam os homens
e a vida. Porque não vimos para este planeta apenas para desenvolver, assim
indiscriminadamente. Viemos à vida para tentar ser felizes. Porque a vida é
curta e se vai. E nada material vale tanto como a vida, isso é elementar. Mas a
vida vai me escapar trabalhando e trabalhando para consumir mais. E a sociedade
de consumo é o motor, porque se paralisa o consumo, a economia para. E se você
parar a economia, o fantasma da estagnação aparece para cada um de nós. Mas é
esse hiper-consumo que está agredindo o planeta. E temos que gerar esse
hiper-consumo com coisas que durem pouco, pois tem que vender muito. Uma
lâmpada não pode durar mais que 1.000 horas. Mas tem lâmpadas elétricas que
podem durar 100.000, 200.000 horas. Mas essas não podemos fazer, porque o
problema é o mercado, porque termos que trabalhar e ter uma civilização de uso
e descarte e estamos em um círculo vicioso. Isto são problemas de caráter
político. Que estão nos mostrando a necessidade de começar a lutar por outra
cultura. Não se trata de voltar ao homem das cavernas nem ter um monumento do
atraso. O que não podemos, indefinidamente, é continuar governados pelo
mercado. Pelo contrário, temos que governar o mercado. Por isso eu digo que o
problema é de caráter político. É minha humilde maneira de pensar. Porque os
pensadores diziam, Epicuro, Sêneca: “Pobre não é o que tem pouco, mas
verdadeiramente pobres são os que precisam infinitamente muito e desejam, e
desejam, mais e mais”. Essa é uma questão de caráter cultural. Então, saúdo os
esforços e acordos que estão sendo feitos. E vou acompanhar como governante,
porque sei que algumas coisas que estou dizendo não são fáceis de digerir. Mas
temos que perceber que a crise da água e a agressão ao meio ambiente não é uma
causa. A causa é o modelo de civilização que nós criamos. E o que teremos que
revisar é nossa forma de viver porque eu pertenço a um pequeno país muito bem
dotado de recursos naturais para viver. Em meu país tem 3 milhões de
habitantes, mas há 13 milhões de vacas, algumas das melhores do mundo. Umas
oito ou 10 milhões de ovelhas estupendas. O meu país é exportador de alimentos,
laticínios, de carne. É uma planície de baixo-relevo e 90% do seu território é
aproveitável. Meus companheiros trabalhadores lutaram muito pelas oito horas de
trabalho. Agora estão conseguindo seis horas. Mas o que consegue seis horas
consegue dois trabalhos, portanto trabalha mais que antes. Por quê? Porque tem
que pagar uma quantidade de parcelas da moto que comprou, e paga a conta, e
paga a conta, e quando acordar é um velho reumático como eu e lá se foi sua
vida. Eu lhe faço essa pergunta: esse é o destino da vida humana? Essas coisas
são muito elementares. O desenvolvimento não pode ir contra a felicidade. Ele
tem que ser a favor da felicidade humana, do amor na terra, das relações
humanas, de cuidar dos filhos, de ter amigos, de ter o elementar. Precisamente,
porque este é o tesouro mais importante que temos. Quando lutamos pelo meio
ambiente o primeiro elemento do meio ambiente se chama felicidade humana."
Assista ao vídeo:
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